terça-feira, 18 de outubro de 2011

CLAYTON B. LEVY / AUGUSTO - O VASO



O VASO


Conta-se que certa vez, grande seca se abateu sobre um reino distante, trazendo o flagelo da fome. Sem alimento as famílias começaram a adoecer, perecendo a cada dia. Penalizado o bondoso rei tomou de um vaso de barro e o encheu com água que brotava de uma fonte sagrada:- Chamou dois servos e lhes disse:- Entrego-lhes este vaso com água, a fim de aliviarem a sede do povo. Confio a vocês, a tarefa de percorrer as aldeias, diminuindo a carência e reerguendo o ânimo dos sofredores. Enquanto servirem com amor, jamais faltará água no vaso. Agora vão e sejam fiéis.
Os dois servos iniciaram a jornada cheios de entusiasmo. Pelo caminho, depararam com crianças doentes e mães aflitas, fustigadas pela sede e pela fome.
Fiéis a tarefa, eles serviram a água, devolvendo esperança aos sofredores. Quanto mais ofereciam daquela água, mais brotava no vaso, de maneira que o recipiente estava sempre abastecido.
A certa altura, porém os dois servidores começaram a desentender-se.
Disputavam o direito de carregar o vaso.
Divergiam quanto ao melhor caminho a trilhar.
Discordavam sobre a quantidade de água a ser oferecida.
Quando algum sofredor dirigia-se a algum deles, em tom de gratidão, o outro sentia-se espicaçado pelo ciúme.
Se um criticava, o outro melindrava-se.
Se um alterava o ritmo da marcha, o outro reclamava.
Tanto atritaram-se que num momento de invigilância o vaso escapou-lhes das mãos, espatifando-se no solo ressequido. 
Só então, caíram em si e perceberam que haviam fracassado. Faltara-lhes fraternidade para cumprirem a tarefa.
Sem outra alternativa, retornaram ao palácio, de mãos vazias e o coração cheio de remorso. E em silencio ouviram do monarca.- Se vocês, houvessem se ocupado apenas em servir, com simplicidade e amor, não teriam fracassado. Enquanto gastavam o tempo em disputas mesquinhas, a fome e a sede avançavam. A tarefa ficou incompleta, porque vocês colocaram o EGO acima do dever.
Terão que retornar, para completar o trabalho.
Assim os servidores, receberam outro vaso, abastecido com água, e em silêncio puseram-se a caminhar ao encontro dos sofredores.
Na seara espírita, somos todos servos do bem, com a tarefa de levar a água da esperança aos que padecem no deserto das provas e expiações. A providencia Divina nos confia o vaso de recursos em diversas expressões.
Este carrega a água da palavra esclarecedora.
Aquele serve a água da consolação.
Outros transportam a água do bom ânimo.
Entretanto, se matamos o tempo em disputas injustificáveis, abrigando queixas, retardando o trabalho, e comprometendo a consciência, obrigamo-nos ao recomeço para que em fim aprendamos simplesmente a servir com amor.


Médium: Clayton Levy
Espírito: Augusto
Centro Espírita Allan Kardec - Campinas/SP

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

LUÍS ANTÔNIO FERRAZ / EURÍCLEDES FORMIGA - TRISTE FINAL



TRISTE FINAL:

Vou lhes contar uma história
Que teve triste final,
Narrando o que sucedeu
Ao médium Zé Juvenal. 

Na reunião mediúnica
Certa vez se fez ausente,
Ficou descansando em casa,
Pretextando estar doente.

Passou, então, faltar.
Uma vez, outra vez mais
E se explicava dizendo:
“- Eu venho ao Centro demais”...

“- Estudar? Eu não vou não!
Faz tempo deixei a escola...”
Se desculpava, correndo
Para o seu jogo de bola.

Instado a voltar ao Centro,
Colaborar na limpeza,
Respondeu contrariado:
“- Eu sou é médium de mesa...”

Novamente foi chamado
Para na sopa ajudar,
Mas gritou aos companheiros:
“- Vocês querem me explorar?!...”

Arrumou tantas desculpas
Para fugir ao dever.
Por fim, deixando a tarefa,
Foi em busca de prazer.

Compromissos sociais,
Festas quase todo dia,
Somente gozar a vida
Era só o que queria...

Porém o tempo passou.
Desfez-se toda ilusão.
Doente, agora padece,
Sofrendo do coração.

Quer ser médium, trabalhar
E, arrependido, ele chora,
Mas, rondando, a Morte diz:
“- Juvenal, é tua hora!...”

Médium: Luís Antônio Ferraz 
Espírito: Eurícledes Formiga 

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER / EMMANUEL - UM PÁSSARO ESPIRITUAL



UM PÁSSARO ESPIRITUAL: 
 
Conhecemos velho amigo que, em certo período de provação não vacilou em sacar do bolso arma mortífera, instigado por insidiosa calúnia, com a intenção de eliminar antigo companheiro, mas, quando se dispunha a penetrar a casa, com o escuro propósito que lhe envenenava o coração, eis que pequerrucho canário começou a cantar em árvore próxima.
Havia tamanha beleza na melodia desconhecida, que o quase delinqüente sustou o ato tresloucado e passou a refletir...
Deus, que mergulhava a alma do pássaro em harmonia celeste, não saberia exercer a justiça que ele, pobre homem imperfeito e amargurado, pretendia executar com as próprias mãos?
Considerou, portanto, mais aconselhável esperar.
E, enquanto aguardava a cessação do hino comovente, algo surgiu, de improviso, dissipando a densa nuvem de indébitas preocupações que lhe amortalhavam o espírito.
A paz voltou a felicitar-lhe o íntimo, dantes atormentado, e, em lágrimas, agradeceu ao senhor que o salvara de lamentável desastre, por intermédio de um passarinho. 
 
Médium: Francisco Cândido Xavier
Espírito: Emmanuel
Fonte: Prefácio de Emmanuel do Livro: Gotas de Luz - Francisco Cândido Xavier/Casimiro Cunha - Federação Espírita Brasileira.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

ADOLFO - A CARIDADE



A CARIDADE:  
 
Eu sou a Caridade; sim, a verdadeira Caridade. Em nada me pareço com a caridade cujas práticas seguis. Aquela que entre vós usurpou o meu nome é fantasista, caprichosa, exclusiva, orgulhosa; venho vos premunir contra os defeitos que, aos olhos de Deus, empanam o mérito e o brilho de suas boas ações. Sede dóceis às lições que o Espírito de Verdade vos dá por minha voz. Segui-me, meus fiéis: eu sou a Caridade.
Segui-me. Conheço todos os infortúnios, todas as dores, todos os sofrimentos, todas as aflições que assediam a humanidade. Sou a mãe dos órfãos, a filha dos velhos, a protetora e suporte das viúvas. Curo as chagas infectas; trato de todos os doentes; visto, alimento e abrigo os que nada têm; subo aos mais humildes tugúrios e às mais miseráveis mansardas; bato à porta dos ricos e poderosos porque, onde quer que exista uma criatura humana, há, sob a máscara da felicidade, dores amargas e cruciantes. Oh! Como é grande minha tarefa! Não poderei cumpri-la se não vierdes em meu auxílio. Vinde a mim: eu sou a Caridade.
Não tenho preferência por ninguém. Jamais digo aos que de mim necessitam: “Tenho os meus pobres; procurai alhures”. Ó falsa caridade, quanto mal fazes! Amigos, nós nos devemos a todos. Crede-me: não recuseis assistência a ninguém. Socorrei-vos uns aos outros com bastante desinteresse para não exigir reconhecimento de parte dos que tiverdes socorrido. A paz do coração e da consciência é a suave recompensa de minhas obras: eu sou a verdadeira Caridade.
Ninguém sabe na terra o número e a natureza de meus benefícios. Só a falsa caridade fere e humilha àqueles a quem beneficia. Evitai esse funesto desvio: as ações desse gênero não têm mérito perante Deus e atraem a sua cólera. Só ele deve saber e conhecer os generosos impulsos de vossos corações, quando vos tornais os dispensadores de seus benefícios. Guardai-vos, pois, amigos, de dar publicidade à prática da assistência mútua; não mais lhe deis o nome de esmola. Crede em mim: eu sou a Caridade.
Tenho tantos infortúnios a aliviar que por vezes tenho o colo e as mãos vazias: venho dizer-vos que espero em vós. O Espiritismo tem como divisa Amor e Caridade; e todos os verdadeiros Espíritas quererão, no futuro, conformar-se a esse sublime preceito ensinado pelo Cristo há dezoito séculos. Segui-me, pois, irmãos, e eu vos conduzirei ao reino de Deus, nosso Pai. Eu sou a Caridade.
 
Espírito Adolfo
Fonte: Revista Espírita 1862.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

HERNANI T. SANT'ANNA - A NOSSA CRUZ – REFLEXÕES



A NOSSA CRUZ – REFLEXÕES:
 
Beethoven, o mestre das grandes sinfonias, viveu atormentado desde os trinta anos por uma surdez progressiva e morreu surdo, depois de compor as suas últimas obras sem poder ouvir nenhum som.
Milton, o grande poeta da Inglaterra, ditou, já cego, o seu célebre Paraíso Perdido e morreu pobre e esquecido aos 66 anos de idade.
Nietzsche, o filósofo do super-homem e da vontade de poder, sofreu desde os trinta e cinco anos de intensas dores de cabeça e de estômago, perturbações da vista e da fala, síndromes depressivas e paralisia progressiva de origem sifilítica, até morrer aos 56 anos de idade.
Pasteur, descobridor dos micróbios e um dos maiores benfeitores da Humanidade, foi hemiplégico desde os 46 anos de idade, até morrer aos 73.
O genial Dostoievsky era epiléptico.
Franklin Roosevelt, eleito quatro vezes presidente dos Estados Unidos, foi paralítico.
Van Gogh, o primeiro e maior dos pintores expressionistas, sofria de violentas crises alucinatórias e chegou a cortar a própria orelha.
Byron, notável poeta inglês, ficou aleijado do pé.
Camões, o cantor dos Lusíadas, cego de um olho, enfermo e abandonado, viveu de esmolas os seus tempos derradeiros e morreu numa enxerga fétida e sombria.
Joana, rainha de Castela, morreu louca.
Edgar Allan Poe, marcante escritor americano, morreu de alcoolismo.
Gagarin, o primeiro astronauta do mundo, morreu num acidente prosaico de avião.
Gutenberg, aperfeiçoador da tipografia, morreu na miséria.
Mozart, Chopin, Castro Alves, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela, Álvares de Azevedo, Moacir de Almeida e Augusto dos Anjos morreram jovens e tuberculosos.
Eratóstenes, filósofo, astrônomo e matemático da célebre escola de Alexandria, o primeiro a medir o meridiano terrestre e a obliqüidade da elíptica, morreu de fome.
Freud, o grande psicanalista, e Ramakrishna, o místico hindu, morreram de câncer.
Sócrates, Thomas Morus, Tiradentes, Frei Caneca, Lumumba, Maria Stuart, Ana Bolena, Catarina Howard, Odoacro, rei dos hunos, Sir Walter Raleigh, favorito de Elizabeth I da Inglaterra, e o médico, astrólogo vidente Nostradamus, foram condenados à morte.
Cícero, o mais eloqüente dos oradores romanos, foi degolado.
Júlio César, Nero e Marat foram apunhalados.
Cleópatra, a rainha; Marco Antônio, o guerreiro; Judas, o traidor; Hitler, o fuhrer; o presidente Getúlio Vargas, o famoso escritor Hemingway, o romancista Camilo Castelo Branco, o notável orador Demóstenes, os poetas Raul Pompéia e Antero de Quental e o novelista Setefan Zweig, suicidaram-se.
Os apóstolos Pedro, Paulo, André, Felipe e Bartolomeu foram executados a pedido dos judeus por ordem das autoridades romanas.
Estevão, o primeiro mártir do cristianismo, foi dilapidado pelos fariseus.
Mahatma Gandhi, os presidentes Lincoln e Kennedy, o político romano Crasso, Agripina, mãe de Nero, a imperatriz Messalina, o imperador Calígula, Alexandre II da Rússia, Alexandre I da Iugoslávia, Alexandra Feodorovna, da Rússia, o revolucionário Trotsky, o cantor John Lennon, o pastor Luther King, o imperador Cômodo e o político João Pessoa, foram assassinados.
Os revolucionários franceses Danton, Robespierre e Fouquier-Tinville, a rainha Maria Antonieta, o rei Luis XVI e o físico Lavoisier, foram guilhotinados.
O reformador Jan Huss, o filósofo Giordano Bruno, a heroína Joana D'Arc e o pregador Savonarola foram queimados vivos por ordem dos inquisidores da Igreja Católica Romana, que se intitulavam sacerdotes de Jesus Cristo e ministros de Deus.
Não se queixe da vida, não desanime, nem pretenda privilégios descabidos. Bilhões de pessoas sofrem no mundo, de fome, de sede, de doenças, de injustiças, de discriminações, de ansiedades. A dor visita potentados e miseráveis, ricos e pobres, sem tomar conhecimento de titulações humanas.
Faça o seu trabalho, agradeça de coração as bênçãos que a sorte lhe concede e procure sofrer com a possível dignidade a sua cota de mazelas e desilusões.
Cada jornada no mundo é apenas um estágio de aprendizado e crescimento, nos caminhos da evolução. Tenha paciência e fé, otimismo e confiança. Sempre haverá um futuro, um amanhã. Tudo passa, menos a eternidade. A vida nunca terá fim.  
 
Autor: Hernani T. Sant'Anna
Fonte: Livro: Em Busca da Verdade - Hernani T. Sant'Anna - Editora Auta de Souza.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

JOÃO NUNES MAIA / MIRAMEZ - HUMORISMO


HUMORISMO:

O humorismo pode se expressar em duas forças como seja o bem e o mal, comprendendo-se que precisamos com urgência educar esses impulsos para o bem da nossa paz, convivendo sempre com a alegria pura.
Os Espíritos inferiores gostam de um humorismo negativo, inferiores palavras que despertam em quem ouve os sentimentos de paixões, sementes essas cujos frutos são de péssima qualidade. Eles gostam do gracejo, e fazem uso dessa falsa alegria por não terem alcançado o contentamento espiritual que eleva a alma para o amor.
Por outro lado, os Espíritos superiores usam, quando desejam, o humorismo para despertar em quem ouve a alegria cristã, capaz de levantar os caídos e até mesmo curar os enfermos. A alegria em sua feição natural, predispõe os que são visitados por ela, a novo ânimo para a vida e nova fé em Cristo. 

Médium: João Nunes Maia
Espírito: Miramez
Fonte: Livro: Filosofia da Mediunidade VI - João Nunes Maia/Miramez - Editora Espírita Cristã Fonte Viva.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

COELHO NETO - A IMORTALIDADE DA ALMA: O AMBICIOSO / A CONVERSÃO AO ESPIRITISMO

 
O AMBICIOSO:
                        Trechos:
  
Felício, saindo do alpendre, pareceu-lhe ver o velho pai sentado no banco, em que costumava ficar à noite, a olhar distraídamente as estrelas.
“Atentou na visão e reconheceu o defunto. Felício pôs-se a tremer, agarrado a um dos esteios, e ouviu o pai que, em voz triste, lhe disse:
É a ambição que te vai levando à miséria, filho! Quiseste, por avareza, fazer o impossível e com ânsia de tudo aproveitar, tudo perdeste. (...) Fazendo felizes serias venturoso. O muito querer é sempre prejudicial. Quem dá trabalho enriquece sorrindo; quem, do seu pão, dá uma migalha ao pobre, farta-se e faz ventura. Que conseguiste com a ambição? (...) Chama os que despediste, dá-lhes trabalho, e não penses que eles te furtam o pão, acrescentam-no e abençoam-no. O egoísmo é como o areal solitário, que, por não dar vida à planta, sofre todos os rigores do sol, sem o fresco dos arroios e o gozo da mais pequenina sombra. O mundo é de todos, e só é verdadeiramente feliz, quando se é bom. Chama os que partiram, recebe-os na tua casa, paga-lhes o trabalho que fizerem, e eles renovarão o que a avareza destruiu, e tornarão a ver os frutos, a ouvir os gados, e outras moedas se irão juntar às que deixei na arca!
Felício ficou um momento amparado ao esteio, mas o silêncio não foi mais interrompido: o velho desaparecera.”
O velho!... Teria sido ele, ou a própria consciência do avarento que assim se manifestara?... Mistério!...
                       * * *
Na manhã seguinte, começavam a cantar os passarinhos quando Felício desceu à vila para contratar jornaleiros.
Hoje, o sítio é o mais belo do lugar. A casa é nova, e, em torno dela, outras avultam; e, entre as árvores frondosas, é, da manhã à tarde, um alegre cantar de lavradores.
E os milhos crescem, cresce o canavial, o pomar é todo fruto, e Felício prospera, contente, vendo à volta da sua felicidade tanta gente feliz bendizê-lo. 


A CONVERSÃO AO ESPIRITISMO:

                  Entrevista publicada pelo "Jornal do Brasil", de sete de julho de 1923, referente a conversão ao Espiritismo do notável escritor Coelho Neto: 

 "Sim, tens razão. Combati, com todas as minhas forças, o que sempre considerei a mais ridícula das superstições. Essa doutrina, hoje triunfante em todo o mundo, não teve, entre nós, adversário mais intransigente, mais cruel do que eu.
Em casa, onde a propaganda, habilmente insinuada, conseguira fazer prosélitos, todos temiam-me, apesar da minha conhecida tolerância em matéria de fé, porque eu não deixava passar um só dos livros de preparação e opunha-me, com energia, às tais sessões reveladoras. Mas que queres?
Não tiveram os cristãos inimigo mais acirrado do que Saulo até o momento em que, na estrada de Damasco, por onde ia para a sua campanha de perseguição, o céu abriu-se em luz e uma voz do Alto o chamou à fé. E de inimigo que era não se tornou, o tapeceiro de Tarso, o mais fervoroso e abnegado apóstolo do Cristianismo, saindo a pregar a Palavra suave ao gentio pagão? Pois, meu caro, a minha estrada de Damasco foi o meu escritório e, se nele não irradiou a luz celestial, que deslumbrou S. Paulo, soou uma voz do Além, voz amada, cujo eco não morre em meu coração.
Sabes que, depois da morte da pequenina Ester, que era o nosso enlevo, a vida tornou-se sombria. A casa, dantes alegre com o riso cristalino da criança, mudou-se em jazigo melancólico de saudade. Passei a viver entre sombras lamentosas.
Minha mulher, para quem a netinha era tudo, não fazia outra coisa senão evocá-la, reunindo lembranças: roupas que ela vestira, brinquedos que a acompanharam até a última hora, entre os quais a boneca, que foi com ela para a cova, porque a pobrezinha não a deixou até expirar.
Júlia... coitada! Nem sei como resistiu a tão fundos desgostos; seis meses depois do marido, a filha.
Pensei perdê-la. Todas as manhãs lá ia ela, para o cemitério, cobrir o pequenino túmulo de flores, e lá ficava, horas e horas, conversando com a terra, com o mesmo carinho com que conversava com a filha. Ia depois ao túmulo do marido e assim vivia entre mortos, alheia ao mais, indiferente a tudo.
Propus mudarmo-nos para Copacabana. Opôs-se. Insistiu em ficar na casa em que fora feliz e desgraçada, mas onde perduravam recordações do seu tempo de ventura.
Temi que a seduzissem para o Espiritismo, que a lançassem ao turbilhão do mistério em que se agitam as almas do nosso tempo, como endemoninhados da Idade Média corriam ao sabbat, nos desfiladeiros sinistros. No estado de abatimento moral em que ela se achava, seria arriscado perturbar-lhe a razão com práticas nigromânticas.
As minhas ordens, dadas em tom severo, foram obedecidas. Júlia passava os dias no quarto, que fora da pequena, e de fora ouvíamo-la falar, rir, contar histórias de fadas, exatamente como fazia durante a vida da criança.
Tais ilusões dolorosas eram bálsamos que mitigavam o sofrimento da alma, como a morfina alivia as dores. Cessada a ilusão, o desespero irrompia mais acerbo.
Uma noite, minha mulher entrou-me pelo escritório, lavada em lágrimas, e disse-me, abraçando-se comigo, que a filha enlouquecera.
- Por quê?! perguntei.
- Está lá embaixo, ao telefone, falando com Ester.
- Que Ester?
- A filha...
Encarei-a demoradamente, certo que a louca era ela, não Júlia.
Como se compreendesse o meu pensamento, ela insistiu:
- Lá está. Se queres convencer-te, vem até a escada. Poderás ouvi-la.
Fui. Como sabes, tenho dois aparelhos: um no "hall", outro, em extensão, no meu escritório.
Ficamos os dois, minha mulher e eu, junto à balaustrada do primeiro andar.
Júlia falava baixo, no escuro.
Por mais esforço que fizéssemos, não conseguíamos ouvir uma palavra. Era um sussurro meigo, cortado de risinhos. O que me pareceu (por que não dizê-lo?) foi que a conversa era de amor.
Tive ímpetos de violar o segredo de minha filha, mas o escrúpulo do meu cavalheirismo conteve-me.
- Por que dizes que ela fala com Ester? perguntei à minha mulher.
- Por quê? Porque ela mesmo me confessou e não imaginas com que alegria!
Fiquei estatelado, sem compreender o que ouvia. De repente, numa decisão, entrei no escritório, desmontei lentamente o fone do aparelho, apliquei-o ao ouvido e ouvi.
Ouvi, meu amigo. Ouvi minha neta. Reconheci-lhe a voz, a doce voz, que era a música da minha casa... Mas não foi a voz que me impressionou, que me fez sorrir e chorar, senão o que ela dizia.
Ainda que eu duvidasse, com toda a minha incredulidade, havia de convencer-me, tais eram as referências, as alusões que a pequenina voz do Além fazia a fatos, incidentes da vida que conosco vivera o corpo do qual ela fora o som...
Mistificação? E que mistificador seria esse que conhecia episódios ignorados de nós mesmos, passados na mais estreita intimidade entre mãe e filha? Não! Era ela, a minha neta, ou antes, a sua alma visitadora que se comunicava daquele modo com o coração materno, levantando-o da dor em que jazia para consolação suprema.
Ouvi toda a conversa e compreendi que nos estamos aproximando da grande era; que os tempos se atraem - o finito defronta o infinito, e das fronteiras que os separam, as almas já se comunicam. E eis como me converti, eis porque te disse que a minha estrada de Damasco foi o escritório onde, se não fui deslumbrado pelo fogo celestial, ouvi a voz do céu, a voz do Além, da outra Vida, do mundo da Perfeição...
- Ouviste-a ao telefone... E por que não a ouves no ar, como a ouviu... São Paulo, por exemplo?
- Por quê? Porque o espírito precisa de um meio em que se demonstre. Para viver conosco, encarna-se. O próprio Espírito de Jesus encarnou-se. O lume precisa de um combustível para arder e o lume é luz, eternidade: o som precisa de um órgão para vibrar. Todo o imaterial carece de um veículo para agir.
- Uma pergunta, apenas: - Como consegue Dona Júlia pôr-se em comunicação com o espírito da filha? Não me consta que a "Companhia Telefônica" tenha ligação com o Além.
- Respondo-te. Quando Júlia - disse-me ela própria - deseja comunicar-se com a filha, invoca-a, chama-a com o coração, ou melhor: com o amor, e ouve-lhe imediatamente a voz. Falam-se, entretêm-se, continuam a vida espiritual. A que está lá em cima é feliz na bem-aventurança, e a que ficou na orfandade já não sofre, como dantes sofria, porque o que era esperança tornou-se certeza...
- Certeza de quê?
- De uma vida melhor e maior, de vida puramente espiritual, como a claridade, vida sem dores, sem os tormentos próprios da carne, que não é mais do que um cadinho em que nos depuramos em sofrimento para alcançarmos a Perfeição."
FONTE: Revista Espírita Allan Kardec, ano XII, nº 44.