REPARAÇÃO
(Poesia
dedicada a sua falecida esposa Ana Cecilia Dailliez.)
Eu
nesta vida não a soube amar!
Dá-me outra vida, ó Deus, para
reparar as minhas omissões, para amá-la com tantos corações
quantos tive em meus corpos anteriores; para coalhar de flores, de
risos e de glórias seus instantes; para cobrir seu peito de
diamantes e na rede dos lábios deixar presos os enxames de beijos
que não lhe dei nas horas já perdidas...
Se
é certo que vivemos muitas vidas, Senhor, outra existência de esmola rogarei, para
amá-la bem mais do que já amei, para que nela nossas almas sejam
tão unas, que as pessoas que nos vejam ir até Deus em êxtase
total, digam: “Como se quer esse casal!”
Ao
mesmo tempo em que nós murmuramos com um instinto lúcido e
profundo (enquanto nos beijamos como loucos):
“Talvez já nos
amamos com este mesmo amor em outro mundo
Fonte:
Livro: A Amada Imóvel - Amado Nervo - Editora Ateniense.
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A
APARIÇÃO
Cristo
disse que onde quer que nos reuníssemos em seu nome, aí estaria Ele
entre nós. Não é, pois, estranho que aquela noite misteriosa em
que falávamos d’Ele com unção cordial, de sua imensa alma
diáfana, de sua ternura grande com o universo, de seu espírito de
sacrifício incomparável, do sabor místico de sua caridade, que nos
penetra e nos envolve. Ele se apresentasse de pronto, suavemente, em
nossa roda.
Longe
de surpreender-nos, sua aparição divina nos pareceu natural. Talvez
não se tratasse propriamente de uma aparição; mais certo dizer que
o sentíamos dentro de nós mesmos; mas a realidade de sua presença
era absoluta, imponente, superior a toda convicção.
Em
vez de nos inquietarmos, experimentamos todos um bem-estar infinito.
Cristo
nos abençoou e, sorrindo-nos com aquele inefável sorriso, nos
perguntou:
-
Que desejais que vos dê antes de voltar ao Pai?
Senhor,
disse Rafael, desejo que me perdoes os pecados.
-
Perdoados estão – respondeu Jesus, sempre sorrindo.
-
Eu, Senhor, disse Gabriel – anseio estar contigo...
-
Logo estarás – replicou Cristo amorosamente.
-
E tu – me perguntou – que queres, filho?
Ia
dizer-lhe algo de minha morta*; mas não sei por que, ao ver a
expressão divina do seu rosto compreendi que não era preciso
dizer-lhe nada; que os mortos estavam em paz no seu seio, junto a
seu coração, e que todas as coisas que aconteciam eram
paternalmente dispostas ou reparadas.
-
Que desejas, filho? – repetiu Jesus, e eu respondi:
-
Senhor, que posso desejar se tudo está bem? Eu só quero que se
faça em mim tua vontade...
Cristo
me olhou com ternura (que olhar de êxtase!); passou sua mão
translúcida por meus cabelos...
Depois
se afastou sorrindo como havia chegado.
*
Referência a sua falecida esposa Ana Cecilia Dailliez.
Fonte:
Livro: A Amada Imóvel - Amado Nervo - Editora Ateniense.
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NÃO
MORRERAM,
PARTIRAM
ANTES
Choras
teus mortos com tamanho desconsolo que, dir-se-ia, és imortal!
Not
dead, but gone before, diz sabiamente o prolóquio inglês.
Não
morreram, partiram antes.
Tua
impaciência se move como loba faminta, ansiosa de devorar enigmas.
Pois
não morrerás logo depois e, forçosamente, não virás a saber a
solução de todos os problemas que são de uma diáfana e
deslumbrante sutilidade?
Partiram
antes... Por que interrogá-los com nervosa insistência?
Deixa
que eles sacudam o pó do caminho, que descansem no regaço do Pai e
ali curem as feridas de seus pés andarilhos; deixa que ponham seus
olhos nos verdes prados da paz...
O
trem espera. Por que não preparar o bornal de viagem? Esta seria
mais prática e eficaz tarefa.
Ver
teus mortos é de tal modo premente e inevitável que não deves
alterar com a menor ansiedade as poucas horas de teu repouso.
Eles,
com um conceito total do tempo, cujas barreiras transpuseram de um
salto, também te aguardam tranqüilamente. Foi que, simplesmente,
tomaram um dos trens anteriores.
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TRANSMIGRACION
MMMM
ant. Christ.
MDCCC
post. Christ.
A
veces, en sueños, mi espíritu finge escenas de vidas lejanas: yo
fui un sátrapa egipcio de rostro de esfinge, de mitra dorada, y en
Menfis viví.
Ya
muerto, mi alma siguió el vuelo errático, ciñendo em Solima, y a
Osiris infiel, la mitra bicorne y el efod hierático del gran
sacerdote del Dios de Israel.
Después,
mis plegarias alcé con el druida Y en bosque sagrado Velleda me amó.
Fui rey merovingio de barba florida; corona de hierro mi sien rodeó.
Más
tarde de nobles feudales, canté sus hazañas, sus lances de honor,
yanté a la su mesa, y en mil bacanales sentíme beodo de vino y de
amor.
Y
ayer, prior esquivo y austero, los labios al Dios eucarístico,
temblando, acerqué: por eso conservo piadoso resabios, y busco el
retiro siguiendo a los sabios y sufro nostalgias inmensas de fe.
Fonte:
Místicas – Buenos Aires – coleccion el buen lector.
AMADO
NERVO (Juan Crisóstomo Ruiz de Nervo) - Poeta e Diplomata mexicano -
1870-1919.