A
SOMBRA DE UM FANTASMA
O
príncipe Wladimir Andev Parlovnisky era uma estudioso dos assuntos psíquicos,
amigo particular do conselheiro do czar, Alexander Aksakof. Ansiava por obter um comunicado do seu tio,
no Além, que fora valente cavaleiro dos hussardos, o conde Nicolai Parlov,
desencarnado há alguns decênios.
Conversou
sobre o assunto com o Dr. Thursard, sábio magnetizador e aplicado médico,
formado pela Sorbonne, em Paris, que lhe indicou uma médium.
Procurou,
na tarde de 2 de abril de 1885,
a médium Sophie Mourat, que atendia seus consulentes em casa de Sonia
Emilia Andrevnad, distinta senhora residente no antigo apartamento em São Petersburgo,
onde a baronesa Natascha Kirov patrocinava os recitais de novos artistas,
recém-chegados à Santa Rússia.
E porque
a médium costumasse realizar suas sessões em completa escuridão, receou o
príncipe que houvesse ensejo a fraudes, tão comuns nos saraus fenomênicos da
Cidade-Luz.
Na hora
aprazada o nobre chegou com sua pequena comitiva.
Devidamente
instalado, encontrou a jovem médium já postada na cabine, reclinada e atada por
grossas correntes, entregava-se ao transe e, por fim, às sábias mentes do
além-túmulo.
Conhecia o príncipe a fama do seu tio desencarnado, a
maneira como costumava tratar os “mujiques”,
que humildemente se escondiam nas solitárias e empobrecidas “isbas”.
Costumava dizer em público:
- Um “mujique” vale menos que um animal!
Feita a prece por um dos participantes, estranha névoa
começou a surgir no ambiente, hermeticamente, fechado. Um odor nauseabundo,
como de cadáver em decomposição, inundou o recinto. Não fosse movido pela
curiosidade, com certeza o príncipe Wladimir teria recuado e só não o fez, pela
surpreendente aparição do tio.
Diante da pequena assembleia, os mortos levantavam o véu
de Ísis. O desconhecido dava lugar ao fato contundente das aparições tangíveis
dos mortos.
Quis influir, o príncipe, sobre as impressões de
além-túmulo do conde, entretanto, o mesmo não hesitava em dar testemunho da
própria ignorância alimentada por ele em vida.
- Meu querido sobrinho! Não vês que sou um desgraçado? Que
fiz eu para não merecer o céu e a proteção das almas santificadas? Sou um
miserável! Fui um tirano, abusei dos poderes a mim conferidos por Deus, quando
deveria tratar bem a meus semelhantes!
O príncipe, surpreso, resistia a crer no depoimento do
redivivo.
- Mas, como meu tio? Acaso não foste amado pelos teus
familiares, pelos amigos mais íntimos? Até hoje, relembramos a tua figura e os
teus feitos heróicos em batalha!...
- Oh, escuta, criatura! Não consegues divisar as atrocidades por mim
cometidas? Fui um tirano para os pobres e infelizes “mujiques”. Fiz deles meus
animais de carga. Não merecia a gratidão que tinham por mim. Depois de morto,
não encontrei o céu comprado pelo meu ouro e as dádivas concedidas pelos
“popes” de nossa amada Santa Rússia. Ninguém compra a entrada na Corte de Deus!
Ora por mim! Peça aos “mujiques” que me perdoem, para que eu viva em paz, no
lugar onde me encontro.
E que lugar é este, para onde são exilados, depois da
morte, os homens como o senhor, meu tio?
- O inferno – retrucou o fantasma, desvanecendo-se nas
nuvens, que consumiram a aparição.
O príncipe saiu da reunião entregue às próprias reflexões.
A revelação feita pelo parente morto fora alarmante e de
tal forma convincente, que transformou por completo a vida inútil e infrutífera
do pobre “bon vivant” russo.
LÉON TOLSTOI
Página recebida pelo médium: Lívio Rocha Barbosa – Rio de
Janeiro, RJ.
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