sexta-feira, 18 de maio de 2018

HUMBERTO DE CAMPOS - JESUS E PEDRO TEXTO DE HUMBERTO DE CAMPOS, QUANDO ENCARNADO



JESUS E PEDRO
TEXTO DE HUMBERTO DE CAMPOS,
 QUANDO ENCARNADO



(...)

- Simão Pedro! Chamou.

- Pronto, meu Senhor.

- Simão Pedro, - tornou Jesus, - eu teria gosto em ir ver, pela terra, que é que fazem ali, neste mês de junho, em que se festeja o teu dia. Parece-me que há grandes alegrias, e eu queria saber se todos, por lá são felizes.

Queres acompanhar-me?

Minutos depois, eram vistas pelas ruas de uma grande cidade, uma ao lado da outra, duas sombras suaves, que marchavam em silêncio, aparecendo e desaparecendo à claridade dos focos elétricos. A porta de cada casa, mesmo das que se achavam fechadas, e que se abriam à sua simples aproximação, olhavam para dentro, e trocando palavras imperceptíveis, continuavam o seu caminho. Aqui, era um palácio, todo iluminado e festivo, jorrando ouro líquido e sonoro pelas janelas escancaradas; ali, a casa humilde, com a toalha clara, e sobre a toalha,  a consoada frugal dos pobres; adiante, a furna do mendigo sem mesa, sem toalha, sem pão. Ao fim da rua Jesus deteve-se, meditativo.

- Simão Pedro? - chamou de novo.

- Meu Senhor!

- Achas que eu devia voltar novamente ao mundo, para humilhar os soberbos e exaltar os humildes?

Pedro teve um estremecimento:

- Ah, meu Senhor! Não nunca! Seria pior, muito pior!

- Pior, Simão Pedro?

- Sim, meu Senhor. Da outra vez, tivestes um discípulo para vos vender, e doze para vos salvar; e hoje...

- Hoje, Simão Pedro?

- Hoje, meu Senhor, tereis um para vos salvar e doze para vos vender!

E ganharam, tristes, em silêncio, a porta de ouro do Paraíso.


HUMBERTO DE CAMPOS
Escritor brasileiro – 1886-1934

                                                                 
(Trecho)


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