JESUS E PEDRO
TEXTO
DE HUMBERTO DE CAMPOS,
QUANDO ENCARNADO
(...)
- Simão Pedro!
Chamou.
- Pronto, meu Senhor.
- Simão Pedro, - tornou Jesus, - eu teria
gosto em ir ver, pela terra, que é que fazem ali, neste mês de junho, em que se
festeja o teu dia. Parece-me que há grandes alegrias, e eu queria saber se
todos, por lá são felizes.
Queres acompanhar-me?
Minutos depois, eram vistas pelas ruas de uma
grande cidade, uma ao lado da outra, duas sombras suaves, que marchavam em
silêncio, aparecendo e desaparecendo à claridade dos focos elétricos. A porta
de cada casa, mesmo das que se achavam fechadas, e que se abriam à sua simples
aproximação, olhavam para dentro, e trocando palavras imperceptíveis,
continuavam o seu caminho. Aqui, era um palácio, todo iluminado e festivo,
jorrando ouro líquido e sonoro pelas janelas escancaradas; ali, a casa humilde,
com a toalha clara, e sobre a toalha, a consoada frugal dos pobres; adiante,
a furna do mendigo sem mesa, sem toalha, sem pão. Ao fim da rua Jesus
deteve-se, meditativo.
- Simão Pedro? - chamou de novo.
- Meu Senhor!
- Achas que eu devia voltar novamente ao
mundo, para humilhar os soberbos e exaltar os humildes?
Pedro teve um estremecimento:
- Ah, meu Senhor! Não nunca! Seria pior, muito
pior!
- Pior, Simão Pedro?
- Sim, meu Senhor. Da outra vez, tivestes um
discípulo para vos vender, e doze para vos salvar; e hoje...
- Hoje, Simão Pedro?
- Hoje, meu Senhor, tereis um para vos salvar
e doze para vos vender!
E ganharam, tristes, em silêncio, a porta de
ouro do Paraíso.
HUMBERTO DE CAMPOS
Escritor brasileiro –
1886-1934
(Trecho)
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