RECORDAÇÕES DO PASSADO
Já vimos
como e – por que – se perde, na ocasião do nascimento, a memória do passado.
Esse eclipse parcial e momentâneo das existências anteriores é absolutamente
necessário para conservarmos intacta, aqui, em nosso mundo, a liberdade. Se
delas nos recordássemos com muita facilidade, haveria confusão na ordem lógica
e fatal do destino; e o Mestre disse em seu Evangelho: “Infeliz daquele que,
tendo posto a mão na charrua, olhar para trás.”
Traçar
um sulco firme e seguro, exige olhar para diante e fixar unicamente o futuro.
A obliteração
do passado, entretanto, não é, nem absoluta, nem definitiva. O perispírito, que
registrou todos os conhecimentos, todas as sensações, todos os atos, acorda;
sob a influência do hipnotismo, as vozes profundas do passado se fazem ouvir.
Assemelhamo-nos às árvores milenárias das florestas. Seus lustros e decênios
estão inscritos nos círculos concêntricos da casca secular; assim, cada idade
de nossas existências sucessivas deixa uma zona inalterável sobre o
perispírito, que retraça fielmente os matizes mais imperceptíveis do passado e
os atos mais aparentemente apagados da vida mental e de nossa consciência.
Mas é
notadamente à hora da morte que o perspírito, prestes a desprender-se, sente
despertar na memória as visões adormecidas das existências transatas. Atesta-o
a experiência de cada dia.
Por um
médico amigo, ouvimos dizer que, em sua mocidade, estando a ponto de afogar-se,
no momento em que começava a asfixia todos os quadros de sua vida se
desenrolaram no pensamento em sucessão retrógrada, com pormenores, e
acompanhados de sensação de bem ou de mal, em cada um dos atos de sua vida
inteira.
Era o
julgamento espiritual que começava. Esse julgamento, sabe-se, não é mais que o
balanço instantâneo da consciência, que faz pronunciemos, nós mesmos, o
veredicto que nos fixa a sorte no novo mundo onde vamos ingressar.
Agora
que conhecemos a lei da existência e a doutrina científica da encarnação,
ser-nos-á mais fácil compreender as vicissitudes da viagem terrestre, as idades
pelas quais passamos e o papel que cada degrau da vida humana vem ter na
economia harmoniosa do seu conjunto. Aparecer-nos-ão, assim, a adolescência, a
idade madura e a velhice sob o verdadeiro aspecto; debaixo dessa luz elevada do
Espiritualismo, saberemos melhor apreciar e compreender. Morrer para reviver,
reviver para morrer e para viver ainda, tal é a lei única e
universal.
LÉON DENIS
Livro: O Grande Enigma – Léon Denis