terça-feira, 3 de agosto de 2021

AMADO NERVO - MENSAGENS ESPIRITUAIS


REPARAÇÃO

(Poesia dedicada a sua falecida esposa Ana Cecilia Dailliez.)


Eu nesta vida não a soube amar!
Dá-me outra vida, ó Deus, para reparar as minhas omissões, para amá-la com tantos corações quantos tive em meus corpos anteriores; para coalhar de flores, de risos e de glórias seus instantes; para cobrir seu peito de diamantes e na rede dos lábios deixar presos os enxames de beijos que não lhe dei nas horas já perdidas...

Se é certo que vivemos muitas vidas, Senhor, outra existência de esmola rogarei, para amá-la bem mais do que já amei, para que nela nossas almas sejam tão unas, que as pessoas que nos vejam ir até Deus em êxtase total, digam: “Como se quer esse casal!”

Ao mesmo tempo em que nós murmuramos com um instinto lúcido e profundo (enquanto nos beijamos como loucos):
“Talvez já nos amamos com este mesmo amor em outro mundo

Fonte: Livro: A Amada Imóvel - Amado Nervo - Editora Ateniense.


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A APARIÇÃO


Cristo disse que onde quer que nos reuníssemos em seu nome, aí estaria Ele entre nós. Não é, pois, estranho que aquela noite misteriosa em que falávamos d’Ele com unção cordial, de sua imensa alma diáfana, de sua ternura grande com o universo, de seu espírito de sacrifício incomparável, do sabor místico de sua caridade, que nos penetra e nos envolve. Ele se apresentasse de pronto, suavemente, em nossa roda.
Longe de surpreender-nos, sua aparição divina nos pareceu natural. Talvez não se tratasse propriamente de uma aparição; mais certo dizer que o sentíamos dentro de nós mesmos; mas a realidade de sua presença era absoluta, imponente, superior a toda convicção.

Em vez de nos inquietarmos, experimentamos todos um bem-estar infinito.

Cristo nos abençoou e, sorrindo-nos com aquele inefável sorriso, nos perguntou:

- Que desejais que vos dê antes de voltar ao Pai?

  • Senhor, disse Rafael, desejo que me perdoes os pecados.
    - Perdoados estão – respondeu Jesus, sempre sorrindo.
    - Eu, Senhor, disse Gabriel – anseio estar contigo...
    - Logo estarás – replicou Cristo amorosamente.
    - E tu – me perguntou – que queres, filho?

  • Ia dizer-lhe algo de minha morta*; mas não sei por que, ao ver a expressão divina do seu rosto compreendi que não era preciso dizer-lhe nada; que os mortos estavam em paz no seu seio, junto a seu coração, e que todas as coisas que aconteciam eram paternalmente dispostas ou reparadas.
    - Que desejas, filho? – repetiu Jesus, e eu respondi:

  • - Senhor, que posso desejar se tudo está bem? Eu só quero que se faça em mim tua vontade...
    Cristo me olhou com ternura (que olhar de êxtase!); passou sua mão translúcida por meus cabelos...
    Depois se afastou sorrindo como havia chegado.

    * Referência a sua falecida esposa Ana Cecilia Dailliez.

    Fonte: Livro: A Amada Imóvel - Amado Nervo - Editora Ateniense.

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NÃO MORRERAM,

PARTIRAM ANTES


Choras teus mortos com tamanho desconsolo que, dir-se-ia, és imortal!
Not dead, but gone before, diz sabiamente o prolóquio inglês.
Não morreram, partiram antes.
Tua impaciência se move como loba faminta, ansiosa de devorar enigmas.
Pois não morrerás logo depois e, forçosamente, não virás a saber a solução de todos os problemas que são de uma diáfana e deslumbrante sutilidade?
Partiram antes... Por que interrogá-los com nervosa insistência?
Deixa que eles sacudam o pó do caminho, que descansem no regaço do Pai e ali curem as feridas de seus pés andarilhos; deixa que ponham seus olhos nos verdes prados da paz...
O trem espera. Por que não preparar o bornal de viagem? Esta seria mais prática e eficaz tarefa.
Ver teus mortos é de tal modo premente e inevitável que não deves alterar com a menor ansiedade as poucas horas de teu repouso.
Eles, com um conceito total do tempo, cujas barreiras transpuseram de um salto, também te aguardam tranqüilamente. Foi que, simplesmente, tomaram um dos trens anteriores.

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TRANSMIGRACION


MMMM ant. Christ.

MDCCC post. Christ.

A veces, en sueños, mi espíritu finge escenas de vidas lejanas: yo fui un sátrapa egipcio de rostro de esfinge, de mitra dorada, y en Menfis viví.
Ya muerto, mi alma siguió el vuelo errático, ciñendo em Solima, y a Osiris infiel, la mitra bicorne y el efod hierático del gran sacerdote del Dios de Israel.
Después, mis plegarias alcé con el druida Y en bosque sagrado Velleda me amó. Fui rey merovingio de barba florida; corona de hierro mi sien rodeó.
Más tarde de nobles feudales, canté sus hazañas, sus lances de honor, yanté a la su mesa, y en mil bacanales sentíme beodo de vino y de amor.

Y ayer, prior esquivo y austero, los labios al Dios eucarístico, temblando, acerqué: por eso conservo piadoso resabios, y busco el retiro siguiendo a los sabios y sufro nostalgias inmensas de fe.


Fonte: Místicas – Buenos Aires – coleccion el buen lector.

AMADO NERVO (Juan Crisóstomo Ruiz de Nervo) - Poeta e Diplomata mexicano - 1870-1919.

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