O POETA E O ATEU:
(Um Poeta e um Ateu passeavam, pela manhã, em uma floresta. O Poeta, admirando as maravilhas da Natureza, não se cansava de falar em Deus. O descrente, importunado de tantos louvores ao Criador, batendo-lhe no ombro, afavelmente, assim lhe disse:)
O ATEU
Deus,
ó Poeta amigo, 
“é uma invenção do homem! 
“Os
homens, criando Deus, 
com Deus mais se consomem! 
“A
tal vida do Além 
“não passa de pilheria! 
“Sabes
qual é meu Deus? 
“É a Matéria! A Matéria! 
Ora!...
Dize entre nós, 
“mas dize com franqueza: 
-
“Pode haver outro Deus 
“mais Deus que a Natureza?!
“Porque é que existe a morte 
“e existe o
sofrimento?! 
“Porque é que a vida humana 
“é
sempre um desalento?! 
Oh!
Não! Mil vezes não! 
“Não creio! Eu sou Ateu! 
Mas,
se é que Deus existe, 
então ele é um judeu! 
“Em
que pensas agora, 
“ó alma dolorosa?! 
“Vamos!
Responde, ó Poeta! 
“Mas não em verso: em prosa.” 
* * *
E o Poeta, em cujo olhar
A Fé transparecia, 
Não
quis falar proseando... 
Respondeu-lhe, rimando,
Respondeu-lhe em poesia.
* * *
O POETA
“Vê!
Reverdece a terra 
“e a ave ali gorjeia! 
Vergéis
e matagais 
“ostentam seus verdores! 
“A
passarada canta! 
“A Flora é uma sereia! 
“E
a campina estrelada 
“é um céu cheio de flores. 
“A
terra, sob a geada, 
“estava amortecida! 
“A
Morte não destrói: 
“em si a vida encerra! 
“Que
foi preciso, Ateu, 
“para vida à vida?! 
- “O
sol espanejando a luz 
“por toda a terra! 
“Ateu!
A Morte é vida, 
“a Morte é onipotente! 
“Parece,
mas não é, 
“um poder destruidor! 
“Quando
o fruto amadura, 
é para dar semente, 
“que,
em breve, há de voltar 
“ao que já foi: a flor! 
“Este
formoso ipê 
“já viu cair-lhe a folha, 
que,
transformada em seiva, 
à vida lhe assegura! 
“É
natural, também, 
“que a Morte, assim recolha 
“uma
alma, e a reencarne 
“para a tornar mais pura! 
“Não
vês neste casulo, 
“nesta coisa asquerosa, 
‘-
a largata, a dormir? 
“-
É um cadáver – dirás! 
“Pois bem, desta crisálida
“mimosa borboleta 
“em breve há de sair!”
CATULO DA PAIXÃO CEARENSE - Poeta, músico e compositor brasileiro - 1863-1946.
 
Nenhum comentário:
Postar um comentário