quinta-feira, 29 de julho de 2021

CATULO DA PAIXÃO CEARENSE - O POETA E O ATEU


O POETA E O ATEU:

(Um Poeta e um Ateu passeavam, pela manhã, em uma floresta. O Poeta, admirando as maravilhas da Natureza, não se cansava de falar em Deus. O descrente, importunado de tantos louvores ao Criador, batendo-lhe no ombro, afavelmente, assim lhe disse:)

O ATEU

Deus, ó Poeta amigo,
“é uma invenção do homem!
“Os homens, criando Deus,
com Deus mais se consomem!
“A tal vida do Além
“não passa de pilheria!
“Sabes qual é meu Deus?
“É a Matéria! A Matéria!

Ora!... Dize entre nós,
“mas dize com franqueza:
- “Pode haver outro Deus
“mais Deus que a Natureza?!
“Porque é que existe a morte
“e existe o sofrimento?!
“Porque é que a vida humana
“é sempre um desalento?!

Oh! Não! Mil vezes não!
“Não creio! Eu sou Ateu!
Mas, se é que Deus existe,
então ele é um judeu!

Em que pensas agora,
“ó alma dolorosa?!
“Vamos! Responde, ó Poeta!
“Mas não em verso: em prosa.”

       * * *

E o Poeta, em cujo olhar

A Fé transparecia,
Não quis falar proseando...
Respondeu-lhe, rimando,
Respondeu-lhe em poesia.

       * * *

O POETA


Vê! Reverdece a terra
“e a ave ali gorjeia!
Vergéis e matagais
“ostentam seus verdores!
“A passarada canta!
“A Flora é uma sereia!
“E a campina estrelada
“é um céu cheio de flores.

A terra, sob a geada,
“estava amortecida!
“A Morte não destrói:
“em si a vida encerra!

Que foi preciso, Ateu,
“para vida à vida?!
- “O sol espanejando a luz
“por toda a terra!

Ateu! A Morte é vida,
“a Morte é onipotente!
“Parece, mas não é,
“um poder destruidor!
“Quando o fruto amadura,
é para dar semente,
“que, em breve, há de voltar
“ao que já foi: a flor!

Este formoso ipê
“já viu cair-lhe a folha,
que, transformada em seiva,
à vida lhe assegura!

É natural, também,
“que a Morte, assim recolha
“uma alma, e a reencarne
“para a tornar mais pura!

Não vês neste casulo,
“nesta coisa asquerosa,
‘- a largata, a dormir?

- É um cadáver – dirás!
“Pois bem, desta crisálida
“mimosa borboleta
“em breve há de sair!”

CATULO DA PAIXÃO CEARENSE - Poeta, músico e compositor brasileiro - 1863-1946.


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