O MISTÉRIO DA BOA OU
MÁ SORTE
Ensina-me, venerável mestre, o caminho infalível da felicidade – pediu um jovem ateniense ao sábio Platão.
- Porque é que me fazes este pedido?
- Porque sofro e vejo outros seres sofrerem, sob o cruel látego da cega Sorte que, ao que me parece, distribui a felicidade a uns e a desgraça a outros, sem olhar se são merecedores das respectivas dádivas.
- Julgas, então, que o mundo é governado por um cego Acaso?
- Não sei, respeitável mestre; mas o que observo, leva-me a opinar que assim seja.
- Meu caro, - disse Platão, - como podes admitir que sejam obra de cego Acaso o resplandecente Sol, a vigilante Lua, os milhares de formosos astros que brilham no imenso espaço, e que todos seguem fielmente seus caminhos, matematicamente determinados, sem se perturbarem mutuamente?! Como podes admitir que é um cego Acaso que distribui as estações com tanta regularidade prescrevendo o tempo próprio à semeadura e o tempo próprio à colheita?! Como podes admitir que seja de um cego Acaso esta admirabilíssima obra da mais sublime arte, o corpo humano são e perfeito, cuja harmoniosa e simétrica beleza entusiasma os pintores e escultores, os quais se esforçam, com o talento de seu culto espírito, por reproduzir, com êxito mais ou menos notável, as suas belas formas externas, sem poderem igualar o modelo que a divina Natureza lhes oferece para eterno estudo?! Viste alguns dos primorosos quadros do nosso contemporâneo Zeuxis; conhece a admirável estátua de Vênus de Guido, esculpida pelo célebre Praxiteles; como também a magnífica estátua de Júpiter Olímpico, produzida pelo gênio do incomparável Fídias. Pois bem: se estas obras, que parecem animadas e são consideradas, com toda a razão, grandes maravilhas, são o efeito de grandes inteligências, quanto maior será a Inteligência Divina que produz o corpo humano vivente?!
- Tens razão, estimado mestre; contudo não compreendo porque uns nascem sãos e outros doentes, uns ricos e outros pobres, uns dotados de grande inteligência e outros deles privados; e porque muitos homens virtuosos, como, por exemplo o teu inolvidável mestre Sócrates, são perseguidos e injustamente condenados, ao passo que outros homens, sem virtude e sem valor, gozam felicidade!
- Em primeiro lugar, meu caro, - explicou o sábio. – sabe que Sócrates não se sentiu infeliz nem quando foi condenado à morte; e garanto-te que com maior tranquilidade bebeu o veneno que lhe prescreveram, ao passo que os seus injustos juízes sofrem os amargos e lancinantes remorsos de consciência. Perguntas porque alguns homens nascem com o corpo são e outros doentes? Porque uns são inteligentes e outros mentecaptos? E porque alguns homens bons sofrem revezes do fado, e outros maus, parecem gozar felicidade? A resposta é simples: Cada um colhe numa vida o que semeou em outra existência.
- Como, meu mestre, é possível colher numa vida o que se semeou em outra?
- O grande mistério, caro discípulo, é este: Não é uma só vez que a alma vem a este mundo; tanto eu, como tu, e os demais homens, já tivemos várias existências corporais, em épocas passadas, - embora pouquíssimos delas se recordam, - e teremos outras vidas no futuro. Como entre um dia e outro dia há uma noite, há entre duas existências, em corpo carnal, um estado em que a alma, tendo abandonado este corpo, reside em veículos espirituais. As dívidas que fizeste num dia, pagas ou no mesmo dia ou em algum dia mais tarde, assim também se hoje sofres sem causa visível, é porque em tua existência anterior produziste a respectiva causa, que ficou latente, como se oculta à nossa vista a semente plantada na terra, até que vem um dia que ela brota e torna visíveis os efeitos da causa dada. Compreendes-me agora?
- Compreendo, venerável mestre. Os estados de felicidade ou desgraça atual dependem sempre das obras praticadas anteriormente, ou nesta mesma vida, ou nalguma vida anterior.
- Qual será, pois, a regra prática da mais elevada moral? – perguntou o sábio.
- Praticar sempre o bem e evitar todo o mal, - respondeu o jovem.
- Respondes bem, - tornou Platão. – Segue, pois, esta regra, e ela te levará à verdadeira felicidade. Respeita a vida, os bens, a saúde e a honra dos teus semelhantes; evita, a mentira, a calúnia e a maledicência; não invejes nem odeies a ninguém e procura a luz da Verdade! Sê ativo, cumprindo os teus deveres; e suporta com paciência as provações por que passares, confiando na Justiça Divina, que faz aparecerem os frutos das obras praticadas, se não na mesma vida, com certeza numa vida posterior.
FRANCISCO VALDOMIRO
LORENZ - Escritor místico tcheco, doutor em Cabala, ocultista, poliglota,
Esperantista - 1872-1957. A FEB, publicou algumas obras valiosas de sua autoria.
Fonte: Livro: Contos e Apólogos - Francisco
Valdomiro Lorenz - Empresa Editora "O Pensamento" - 1918.
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VÁRIAS ESPÉCIES DE ALEGRIA
Há várias espécies de alegria e são
diferentes os seus frutos. Há alegria produzida pela satisfação de um desejo e
alegria que provém da renúncia. Qual delas é mais nobre? A que provém da
renúncia. E por quê? Porque um desejo, por mais legítimo que seja, gasta certas
forças da alma com a satisfação própria; ao passo que a renúncia conserva essas
forças. E isso é ainda mais patente, se o desejo se manifesta por uma paixão. A
paixão é um cântico que elogia a liberdade, mas não o pode implantar e até,
muitas vezes, a destrói. A paixão é o florescimento dos desejos, mas não é seu
fruto, é o fogo que queima, mas quando se apaga, sobra apenas cinza. Assim a
alegria produzida por uma paixão pode dar gozo, mas enfraquece a resistência da
alma, ao passo que a renúncia feita sem paixão armazena, as forças do nosso
interior.
Há alegria produzida pelo ódio e
alegria que provém do amor. Qual delas é a mais nobre? A que provém do amor. E
por quê? Porque o ódio se nutre de forças destrutivas e o amor se alimenta de
forças construtivas. O ódio separa e divide, o amor, puro e verdadeiro, une e
auxilia. O ódio idolatra a vingança; o amor prefere sofrer a causar sofrimento
a outrem. A alegria que é filha do ódio encarcera a alma da prisão cármica; a
alegria gerada pelo amor leva a Liberdade Espiritual.
Há alegria no dar e alegria no
receber. Qual delas é mais nobre? Naturalmente a que provém do dar, pois quando
dais algo a alguém, a vossa alegria se torna nobre, não porque vos privais de
uma parte das vossas posses, mas unicamente se as repartis de boa vontade e com
o intuito de serdes úteis ao vosso próximo. Quem dá esmola para ser louvado,
não consegue alegria durável; mas quem, oferecendo uma dádiva, envolve o objeto
oferecido numa aura de benevolência, e assim oferece também seus afetos, irriga
a sua alma com água viva que concorre para sua purificação cármica e para seu
progresso na Senda.
Há alegria, produzida pela ação e
alegria que provém do descanso. Qual delas é mais nobre? Naturalmente a da
ação, se esta é nobre e tem um alvo nobre; a alegria do descanso satisfaz
somente se a ação que foi feita traz bons resultados para um nobre fim. Assim
como o Criador Divino sempre age e, na Sua eterna Ação, goza eternamente o mais
puro Descanso, todos os que agem na seara Divina não sentem cansaço, mas a
alegria de agir restitui-lhe as forças gastas em suas boas ações.
Há alegrias produzidas pela
libertação do medo e alegria que provém da submissão à Vontade Divina. Qual
delas é mais nobre? A que provém da submissão à Vontade Divina, porque aquele
que se submete, em tudo, à Vontade Divina não sente medo nunca. Ele sabe que
DEUS É O Bem Infinito e que não deixa perecer Seus filhos. Embora no mundo
físico e, principalmente na sociedade humana, aconteçam horrores, o coração
crente conserva a sua fé na Justiça Divina e espera, que a Providência Suprema
transforme as condições passageiras, assim que do mal, feito pela Ignorância do Egoísmo, individual,
social e coletivo, surgirá um novo degrau evolutivo.
Há alegria de gozar-se liberdade e
alegria de recuperar a liberdade. Qual delas é mais nobre? A resposta depende
das circunstâncias em que se goza ou que se alcança a liberdade. Se para um
indivíduo ou um povo ser livre julga ser necessário privar da liberdade outro
indivíduo ou outro povo, a sua alegria não será duradoura, nem é justa, e
deverá, mais cedo ou mais tarde, pagar o respectivo erro; se, porém, consegue a
sua liberdade e considera os demais como dignos de gozá-la também, a sua
alegria é nobre e merece ser duradoura.
“Alegrai-vos
sempre”, escreveu o apóstolo S. Paulo aos Tessalonicenses. Sigamos este seu
conselho e façamos esforços para que a nossa alegria seja nobre. Sem pregar
ascetismo, o Mestre Divino nos indicou o Caminho. Lembremo-nos de que Ele
disse: “Amai o vosso próximo, seja amigo ou inimigo, fazei bem aos que vos
aborrecem; bendizei os que vos maldizem; orai pelos que vos caluniam; sede
misericordiosos, como também vosso PAI é misericordioso”.
Os discípulos do Divino Mestre devem,
pois, esforçar-se por não só não
nutrirem ódio contra alguém, mas até fazer bem aos que lhes fazem qualquer mal.
Embora, no domínio da força bruta, os poderosos considerem ser justo fazer mal
aos seus inimigos e até destruí-los, no Domínio da Justiça Divina, a única LEI
imutável é a do Amor, porque só o Amor conduz à União com DEUS e à verdadeira
Liberdade Espiritual.
FRANCISCO VALDOMIRO
LORENZ - Escritor místico tcheco, doutor em Cabala, ocultista, poliglota,
Esperantista - 1872-1957. A FEB, publicou algumas obras valiosas de sua
autoria.
Página extraída da Revista “O
Pensamento” –
Maio/Junho 2003.
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