HUMBERTO DE CAMPOS - Escritor, jornalista e político
brasileiro - 1886-1934.
MENSAGENS E PENSAMENTOS DE HUMBERTO DE CAMPOS (QUANDO
ELE ESTAVA ENCARNADO)
SANTO TOMÁS E O BOI
QUE VOAVA
Contam os fastos da
Ordem de São Domingos que, achando-se Santo Tomás de Aquino em sua cela, no Convento
de São Tiago, curvado sobre obscuros manuscritos medievais, ali entrou, de
repente, um frade folgazão, o qual foi exclamando com escândalo:
- Vinde ver, irmão
Tomás, vinde ver um boi voando!
Tranqüilamente, o
grande doutor da Igreja ergueu-se do seu banco, deixou a cela, e, indo para o
átrio do mosteiro, pôs-se a olhar o céu, a mão em pala sobre os olhos fatigados
do estudo. Ao vê-lo assim o frade jovial desatou a rir com estrépito.
- Ora, irmão Tomás,
então sois tão crédulo a ponto de acreditar que um boi pudesse voar?
- Por que não, meu
irmão? Retrucou Tomás de Aquino.
E com a mesma
singeleza, flor da sabedoria:
- Eu preferi admitir
que um boi voasse a acreditar que um religioso pudesse mentir.
A SABEDORIA DE
CONFÚCIO
Certo dia andava
Confúcio pelas margens silenciosas do rio Amarelo, colhendo, aqui e ali, um
crisântemo atordoado pelas libélulas, quando se aproximaram dois camponeses, em
cuja humildade a experiência leu, desde logo, os sinais da perfídia.
- Este homem, -
disse o primeiro - tem em dúvida a tua sabedoria. E como eu lhe afirmasse que
tu jamais te enganarias, venho pedir-te, Mestre, que nos acompanhes até à
aldeia próxima, onde o povo aguarda a tua santa palavra para a definitiva
solução de uma contenda.
Colhendo, aqui e
ali, um crisântemo, o sábio tomou, sem pressa o caminho do povoado. A barba,
lisa e grossa, tombava-lhe pelo peito largo, orlando-lhe o rosto de bronze.
E foi assim, como a
calma nos gestos e a serenidade no coração, que parou, com os dois guias, à
sombra de uma cerejeira, em torno à qual os homens se amontoavam. Amarradas ao
tronco da árvore, duas ovelhas olhavam a turba que as cercava, indagando, com
os olhos inocentes, o motivo daquela curiosidade.
Entre o silêncio de
todos, o homem sem fé explicou o motivo da disputa:
- Estas duas
ovelhas, Mestre, são mãe e filha. São, porém, tão semelhantes em tudo, que
ninguém poderá dizer qual a filha, qual a mãe. Eu assegurei, porém, que a tua
sabedoria venceria a dificuldade, esclarecendo essa dúvida de todos nós.
Quieta, olhos
pregados no solo, a multidão esperava ansiosa, a opinião do Mestre. Sem uma
palavra, Confúcio afastou-se alguns passos, colheu na terra agreste um punhado
de relva úmida, e atirou-a ao chão, entre as duas ovelhas. Uma baixou a cabeça,
aspirou a erva, e empurrou-a, com o focinho para a outra. Esta baixou a boca, e
principiou a comer.
Silencioso e bom, o filósofo acompanhava, com os olhos, o gesto manso dos animais. Ao fim de alguns minutos, estendeu o dedo, e indicou a ovelha que devorava o capim.
Silencioso e bom, o filósofo acompanhava, com os olhos, o gesto manso dos animais. Ao fim de alguns minutos, estendeu o dedo, e indicou a ovelha que devorava o capim.
- Esta é a filha, -
disse.
E alçando o dedo:
- Porque só as mães,
chineses, se privam do alimento para matar a fome dos filhos!
E voltou para a campina, espantando as libélulas.
E voltou para a campina, espantando as libélulas.
O SERMÃO DE SÃO
BERNARDINO
... Foi naquela
tarde de setembro que São Bernardino contou este apólogo:
‘Certo monge, que
possuía grande experiência do mundo, tinha como coisa impossível na terra viver
sem dar trabalho às más línguas. Isto é, contestando a toda gente. Um dia,
chamou ele o aprendiz que o auxiliava nos serviços divinos, e ordenou:
- Meu filho, vai
buscar o nosso burrico, e vem comigo.
O menino foi buscar
o asno, o monge escanchou-se no animal, e seguiram viagem indo o aprendiz a pé,
atrás do seu mestre. Pouco adiante, deram com um lamaçal.
- Vejam que
espertalhão! – exclamaram algumas pessoas, ao verem os três viajantes. –
Enquanto o frade vai muito bem montado, o pobre do aprendiz, vai a pé,
patinando na lama!
Pouco adiante deram
com outro lameiro. Um transeunte, ao vê-los, estacou as mãos na cintura.
- Mas este velho
frade é maluco! – disse. – O burro é dele, é velho, e vai a pé, conduzindo à
sala um garoto que não se preocuparia nem com a lama nem com a fadiga! Eu, no
lugar dele, o menos que faria seria montar no burrico e levar o aprendiz na
garupa. Iriam os dois montados sem inconveniente nenhum!
O monge ouviu o que
dizia o transeunte, e subiu para o burro, tomando lugar ao lado do aprendiz.
Não haviam, porém, dado muitos passos, quando ouviram outras vozes:
- Vejam só! Dois em
cima de um pobre burro! Querem matar o desventurado animal! Certo, pretendem
vender-lhe a pele, de hoje para amanhã.
O frade pulou do
burro, fez descer também o menino, e saíram os dois a pé, puxando a alimária
pelo cabresto.
Um momento mais, e
são surpreendidos por uma surriada. São viajantes que, ao vê-los, desatam a
rir, entre gritos de zombaria:
- Olhem aqueles
malucos! Tem um burro e vão a pé, arrastando-se pela lama, quando podiam ir
montados! Fiau!
O monge, vendo que
era impossível não dar pasto às más línguas de que o mundo está cheio, fez
parar o burro, e disse ao aprendiz:
- Voltemos para o
convento.
Chegados ali, o
frade chamou o rapaz.
- Viste , meu filho,
o que nos aconteceu e ao nosso burro?
- Que quereis dizer
com isso, mestre?
- Não reparaste que,
por mais que fizéssemos para contentar aos que nos censuravam, havia sempre
quem achasse que era mau o que fazíamos? Eu ia montado e tu a pé: acharam que
era mau, porque tu eras moço e devias ir montado, e eu não. Desci e te fiz
subir; acharam que não estava direito, porque tu eras jovem, e eu era velho.
Tomamos lugar os dois em cima do burro; e gritaram que era uma crueldade, e que
o burro ia morrer sob o nosso peso. Apeamo-nos, e continuamos a viagem a pé.
Vaiaram-nos porque viajamos a pé quando tínhamos um burro. Guarda, pois, meu
filho, o que eu te vou dizer: sabe que, qualquer que seja o bem que procuremos
fazer neste mundo, e quaisquer os esforços para praticarmos o bem, não
evitaremos jamais que se diga mal de nós. Zombemos, pois, do mundo, meu filho,
e percamos a esperança de nos por de acordo com ele.
PENSAMENTOS SÁBIOS
♥Felizes os mortos
que, numa semana depois de sepultados, ainda tem amigos na terra.
♥Quando os homens têm
coração, até os prisioneiros beijam a mão de quem os encarcerou.
♥As pessoas mais
felizes são as que abrem o coração aos influxos do Amor.
♥A dor que mais dói num
pai é a que lhe chega através da carne dos filhos.
♥Cada um ao nascer,
traz no coração, ou nas mãos, a história do seu destino.
♥A memória é um
grande museu de fotografias, em cujos muros consagramos determinado espaço a
cada criatura querida.
♥A saudade é o sumo
gostoso e amargo do fruto da vida.
♥A superfície da
terra é, ainda uma página imensa em que todos os homens podem escrever o seu
nome.
♥A vida nos foi
concedida como um capital que se empresta a alguém para que o faça multiplicar.
E essa multiplicação é a dilatação da vida na morte.
♥A volta ao poder é
uma ilusão que só os loucos alimentam.
♥Antes de ajustar as
minhas contas com Deus no outro mundo, quero ajustá-las na terra com os homens.
♥As opiniões são como
as moedas: valem mais pelo cunho do que pelo metal.
♥Assim como a mãe dá
leite ao seu filho, e este se torna forte e alegre, assim uma pessoa pode dar a
outros, fraca e doente, os fluidos bons que a tornam sadias.
♥Dizem os homens de
fé, os homens de crença, que Deus tem os olhos e os ouvidos abertos para todas
as súplicas que sobem do mundo.
♥Igualdade não quer
dizer felicidade.
♥Livro emprestado é
como o corvo que Noé soltou na Arca. Vai e não volta mais.
♥Na noite escura, até
a própria sombra nos abandona.
♥Nas civilizações
cultuadoras do hermismo não há leis mais sagradas do que aquelas que regem os
princípios da hospitalidade.
♥Não há homens
perfeitos, como não há diamantes sem falha.
♥Ninguém tem o direito
de cortar o galho da roseira, simplesmente porque um espinho lhe feriu o dedo,
ou lhe rasgou a manga do paletó.
♥O fruto da
verdadeira árvore da ciência é a bondade.
♥O autor em geral, é
mal crítico de si mesmo.
♥Quando encontro
alguém a censurar sincera e convictamente os defeitos alheios, como se ele
próprio não tivesse nenhum, a impressão que tenho é que as almas são como
indivíduos deformados, que vivessem numa cidade sem espelhos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário