segunda-feira, 8 de junho de 2015

HUMBERTO DE CAMPOS - MENSAGENS E PENSAMENTOS DE HUMBERTO DE CAMPOS (QUANDO ELE ESTAVA ENCARNADO)

 
HUMBERTO DE CAMPOS - Escritor, jornalista e político brasileiro - 1886-1934.

MENSAGENS E PENSAMENTOS DE HUMBERTO DE CAMPOS (QUANDO ELE ESTAVA ENCARNADO)

SANTO TOMÁS E O BOI QUE VOAVA


Contam os fastos da Ordem de São Domingos que, achando-se Santo Tomás de Aquino em sua cela, no Convento de São Tiago, curvado sobre obscuros manuscritos medievais, ali entrou, de repente, um frade folgazão, o qual foi exclamando com escândalo:

- Vinde ver, irmão Tomás, vinde ver um boi voando!

Tranqüilamente, o grande doutor da Igreja ergueu-se do seu banco, deixou a cela, e, indo para o átrio do mosteiro, pôs-se a olhar o céu, a mão em pala sobre os olhos fatigados do estudo. Ao vê-lo assim o frade jovial desatou a rir com estrépito.

- Ora, irmão Tomás, então sois tão crédulo a ponto de acreditar que um boi pudesse voar?

- Por que não, meu irmão? Retrucou Tomás de Aquino.

E com a mesma singeleza, flor da sabedoria:

- Eu preferi admitir que um boi voasse a acreditar que um religioso pudesse mentir.



A SABEDORIA DE CONFÚCIO

Certo dia andava Confúcio pelas margens silenciosas do rio Amarelo, colhendo, aqui e ali, um crisântemo atordoado pelas libélulas, quando se aproximaram dois camponeses, em cuja humildade a experiência leu, desde logo, os sinais da perfídia.

- Este homem, - disse o primeiro - tem em dúvida a tua sabedoria. E como eu lhe afirmasse que tu jamais te enganarias, venho pedir-te, Mestre, que nos acompanhes até à aldeia próxima, onde o povo aguarda a tua santa palavra para a definitiva solução de uma contenda.

Colhendo, aqui e ali, um crisântemo, o sábio tomou, sem pressa o caminho do povoado. A barba, lisa e grossa, tombava-lhe pelo peito largo, orlando-lhe o rosto de bronze.

E foi assim, como a calma nos gestos e a serenidade no coração, que parou, com os dois guias, à sombra de uma cerejeira, em torno à qual os homens se amontoavam. Amarradas ao tronco da árvore, duas ovelhas olhavam a turba que as cercava, indagando, com os olhos inocentes, o motivo daquela curiosidade.

Entre o silêncio de todos, o homem sem fé explicou o motivo da disputa:

- Estas duas ovelhas, Mestre, são mãe e filha. São, porém, tão semelhantes em tudo, que ninguém poderá dizer qual a filha, qual a mãe. Eu assegurei, porém, que a tua sabedoria venceria a dificuldade, esclarecendo essa dúvida de todos nós.

Quieta, olhos pregados no solo, a multidão esperava ansiosa, a opinião do Mestre. Sem uma palavra, Confúcio afastou-se alguns passos, colheu na terra agreste um punhado de relva úmida, e atirou-a ao chão, entre as duas ovelhas. Uma baixou a cabeça, aspirou a erva, e empurrou-a, com o focinho para a outra. Esta baixou a boca, e principiou a comer.
Silencioso e bom, o filósofo acompanhava, com os olhos, o gesto manso dos animais. Ao fim de alguns minutos, estendeu o dedo, e indicou a ovelha que devorava o capim.

- Esta é a filha, - disse.

E alçando o dedo:

- Porque só as mães, chineses, se privam do alimento para matar a fome dos filhos!
E voltou para a campina, espantando as libélulas. 



O SERMÃO DE SÃO BERNARDINO


... Foi naquela tarde de setembro que São Bernardino contou este apólogo:

‘Certo monge, que possuía grande experiência do mundo, tinha como coisa impossível na terra viver sem dar trabalho às más línguas. Isto é, contestando a toda gente. Um dia, chamou ele o aprendiz que o auxiliava nos serviços divinos, e ordenou:

- Meu filho, vai buscar o nosso burrico, e vem comigo.

O menino foi buscar o asno, o monge escanchou-se no animal, e seguiram viagem indo o aprendiz a pé, atrás do seu mestre. Pouco adiante, deram com um lamaçal.

- Vejam que espertalhão! – exclamaram algumas pessoas, ao verem os três viajantes. – Enquanto o frade vai muito bem montado, o pobre do aprendiz, vai a pé, patinando na lama!

Pouco adiante deram com outro lameiro. Um transeunte, ao vê-los, estacou as mãos na cintura.

- Mas este velho frade é maluco! – disse. – O burro é dele, é velho, e vai a pé, conduzindo à sala um garoto que não se preocuparia nem com a lama nem com a fadiga! Eu, no lugar dele, o menos que faria seria montar no burrico e levar o aprendiz na garupa. Iriam os dois montados sem inconveniente nenhum!

O monge ouviu o que dizia o transeunte, e subiu para o burro, tomando lugar ao lado do aprendiz. Não haviam, porém, dado muitos passos, quando ouviram outras vozes:

- Vejam só! Dois em cima de um pobre burro! Querem matar o desventurado animal! Certo, pretendem vender-lhe a pele, de hoje para amanhã.

O frade pulou do burro, fez descer também o menino, e saíram os dois a pé, puxando a alimária pelo cabresto.

Um momento mais, e são surpreendidos por uma surriada. São viajantes que, ao vê-los, desatam a rir, entre gritos de zombaria:

- Olhem aqueles malucos! Tem um burro e vão a pé, arrastando-se pela lama, quando podiam ir montados! Fiau!

O monge, vendo que era impossível não dar pasto às más línguas de que o mundo está cheio, fez parar o burro, e disse ao aprendiz:

- Voltemos para o convento.

Chegados ali, o frade chamou o rapaz.

- Viste , meu filho, o que nos aconteceu e ao nosso burro?

- Que quereis dizer com isso, mestre?

- Não reparaste que, por mais que fizéssemos para contentar aos que nos censuravam, havia sempre quem achasse que era mau o que fazíamos? Eu ia montado e tu a pé: acharam que era mau, porque tu eras moço e devias ir montado, e eu não. Desci e te fiz subir; acharam que não estava direito, porque tu eras jovem, e eu era velho. Tomamos lugar os dois em cima do burro; e gritaram que era uma crueldade, e que o burro ia morrer sob o nosso peso. Apeamo-nos, e continuamos a viagem a pé. Vaiaram-nos porque viajamos a pé quando tínhamos um burro. Guarda, pois, meu filho, o que eu te vou dizer: sabe que, qualquer que seja o bem que procuremos fazer neste mundo, e quaisquer os esforços para praticarmos o bem, não evitaremos jamais que se diga mal de nós. Zombemos, pois, do mundo, meu filho, e percamos a esperança de nos por de acordo com ele.



PENSAMENTOS SÁBIOS

Felizes os mortos que, numa semana depois de sepultados, ainda tem amigos na terra.

Quando os homens têm coração, até os prisioneiros beijam a mão de quem os encarcerou.

As pessoas mais felizes são as que abrem o coração aos influxos do Amor.

A dor que mais dói num pai é a que lhe chega através da carne dos filhos.

Cada um ao nascer, traz no coração, ou nas mãos, a história do seu destino.

A memória é um grande museu de fotografias, em cujos muros consagramos determinado espaço a cada criatura querida.

A saudade é o sumo gostoso e amargo do fruto da vida.

A superfície da terra é, ainda uma página imensa em que todos os homens podem escrever o seu nome.

A vida nos foi concedida como um capital que se empresta a alguém para que o faça multiplicar. E essa multiplicação é a dilatação da vida na morte.

A volta ao poder é uma ilusão que só os loucos alimentam.

Antes de ajustar as minhas contas com Deus no outro mundo, quero ajustá-las na terra com os homens.

As opiniões são como as moedas: valem mais pelo cunho do que pelo metal.

Assim como a mãe dá leite ao seu filho, e este se torna forte e alegre, assim uma pessoa pode dar a outros, fraca e doente, os fluidos bons que a tornam sadias.

Dizem os homens de fé, os homens de crença, que Deus tem os olhos e os ouvidos abertos para todas as súplicas que sobem do mundo.

Igualdade não quer dizer felicidade.

Livro emprestado é como o corvo que Noé soltou na Arca. Vai e não volta mais.

Na noite escura, até a própria sombra nos abandona.

Nas civilizações cultuadoras do hermismo não há leis mais sagradas do que aquelas que regem os princípios da hospitalidade.

Não há homens perfeitos, como não há diamantes sem falha.

Ninguém tem o direito de cortar o galho da roseira, simplesmente porque um espinho lhe feriu o dedo, ou lhe rasgou a manga do paletó.

O fruto da verdadeira árvore da ciência é a bondade.

O autor em geral, é mal crítico de si mesmo.

Quando encontro alguém a censurar sincera e convictamente os defeitos alheios, como se ele próprio não tivesse nenhum, a impressão que tenho é que as almas são como indivíduos deformados, que vivessem numa cidade sem espelhos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário