CARTA
AO SENADOR ÍNDIO DO BRASIL, E PELO
MESMO, INCLUÍDA NO LIVRO DE SAUDADE,
PUBLICADO EM MEMÓRIA DE SUA EXMA.
ESPOSA D. CLARISSE LAGE ÍNDIO
DO
BRASIL.
4 de Dezembro,
1919.
Meu amigo.
Se o sol, quando
tramonta, desaparecesse de todo, o mundo pereceria gelado. O calor do astro,
sob a cinza da noite, é quem mantém a vida na sua continuidade perene.
Quem diz, falando de
um ente extinto: morreu – nunca verdadeiramente o amou. Se na ausência entrasse
o esquecimento andaríamos sempre a refazer a união, porque a vida é um ir e vir
constante, como o das ondas. Mas para o verdadeiro amor o tempo é como o
infinito, que se não mede, e nele vale tanto um minuto como as eras.
O amor, na sua
verdadeira significação sublime, é o sentimento absoluto, e, como sentimento, é
alma, sendo, por sua origem, imortal.
O que se quebrou na
pedra do sepulcro foi o vaso de perfeição, a essência, essa impregnou-se-te
nalma, fundindo-se, para o todo sempre, no teu próprio eu.
Quando a ouvias nas
suas palavras carinhosas; quando lhe fitavas o olhar em que se refletiam as
virtudes não era o vulto da mulher que te encantava, a forma humana, airosa
como o lírio do Evangelho, mas o espírito, e esse não teve o túmulo, porque a
sua voz ficou no teu coração ou no rumor, na claridade ou na treva, hás de
ouvir a harmonia meiga que se abemolava para acariciar teu nome; hás de ver a
luz doce que irradiava com a auréola da tua vida.
Assim ela vive, e,
mais do que nunca, contigo, não mais em tua companhia, como tua sombra, mas em
ti mesmo, como tua alma.
Deus, quando nos
assoprou o seu espírito, deu-nos um pouco de eternidade e essa partícula
divina, que em nós temos, chama-se memória. É como um ramo de folhas sempre
verdes, em que se abre a flor imarcescível da saudade, cujo perfume é um filtro
que nos transporta ao Passado e ressuscita os mortos.
Antigamente ela
vivia num corpo e só te aparecia quando estava presente. Hoje, ela vive em tudo
que te cerca: a tua casa, o teu coração, o espaço, as horas todas estão cheias
dela.
O mundo tornou-se
todo ele um espelho em que ela se reflete e, onde quer que teus olhos se fitem,
aí verás a imagem adorada que te acompanha, como o próprio Deus onipresente.
Chorá-la? Porque?
Nas lágrimas, desfazes o coração, que é o seu relicário e, gota a gota, vais
diluindo a lembrança, que deve ser perpétua.
Conserva-a na tua
saudade e quando, nos teus silêncios de esposo enamorado, quiseres vê-la volve
sobre ti mesmo, olha para dentro de ti e hás de descobri-la fazendo na morte a
caridade amorosa de consolar-te, como na vida – e não foi outra a sua missão na
terra – mitigava piedosamente as dores dos pobrezinhos.
A imagem rolou do
altar, mas a fé subsiste.
Eleva o coração, meu
amigo, eleva-o bem alto, até Deus, e lá verás no esplendor etéreo, aquela que foi o
amor, a doçura, o anjo do teu lar.
COELHO NETO
Fonte:
Livro: Orações – Coelho Neto.
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