terça-feira, 12 de maio de 2015

PAULO ALVES GODOY - A INTOLERÂNCIA


A INTOLERÂNCIA


(Trecho)


        Enquanto no cenário terreno as religiões se digladiam e fecham as portas a qualquer gênero de entendimento, tudo por causa de ingênuas divergências doutrinárias, o Mestre, cujos atos devem servir de paradigma para o nosso proceder, declara enfaticamente a João: “Quem não é contra nós é por nós”.
        Os discípulos de Jesus, empregadas dos prejuízos do arcaico sistema religioso prevalecente entre os judeus, não haviam ainda se despojado do tradicional e aberrante hábito de considerar heresia tudo aquilo que não fosse referendado pela religião imperante. Vendo aquele homem que expelia os maus Espíritos, João encheu-se de zelo e, após proibir o homem de praticar atos daquela natureza, procurou apressadamente o Mestre, a fim de denunciar aquilo que considerava um trabalho paralelo e autêntica usurpação de poderes. Agindo daquele modo o apóstolo julgava estar prestando inestimável serviço à Boa Nova e, certamente, esperava o beneplácito do Mestre para o seu ato de intolerância.
        A réplica, no entanto, foi adversa: “Não o proibais, porque quem não é contra nós é por nós”.
        O Meigo Rabi da Galiléia deu assim inequívoca demonstração de tolerância e é pena que o seu exemplo não tenha servido, no decorrer dos séculos, de esteio para uma mais íntima aproximação entre os vários agrupamentos cristãos, os quais, apesar de viverem sob o pálio de uma só doutrina, porfiam em se colocarem na mais acesa intolerância, refratários a quaisquer concessões ou gesto de aproximação.
        No Velho Testamento encontramos uma passagem quase idêntica:
        Devido ao abusivo costume reinante entre muitos médiuns e profetas judeus, de invocarem Espíritos para consultá-los sobre coisas fúteis, sem um objetivo mais sério, o médium-mor que era Moisés, vetou terminantemente que se continuasse esse intercâmbio, proibindo que se invocassem os chamados mortos.
        Muitos médiuns sensatos existiam, no entanto, entre os judeus, e entre eles dois rapazes sinceros, cujos nomes eram Eldad e Medad. Esses jovens estavam no campo entrando em contato com Espíritos quando, passando por ali um homem, apressou-se em denunciar o fato a Moisés, julgando assim estar prestando valioso serviço ao Grande Legislador.
        Conforme narra o livro de Números, Cap. 11, v. 26 a 29, esse homem chegou todo agitado perto do libertador dos hebreus e delatou:
        “Senhor! Eldad e Medad estão no campo profetizando!”
        Josué, o lugar-tenente de Moisés, que ali estava ao seu lado, asseverou:
        “Senhor Meu Moisés, proíba-lhos”.
        Mas Moisés não se importunou, pois conhecia o caráter da mediunidade de Eldad e Medad e se limitou a responder a Josué:
        “Tens tu ciúmes de mim? Oxalá que todo o povo do Senhor fosse profeta, que o Senhor lhe desse o seu Espírito.”
        Assim como Jesus reconheceu que o homem que expelia os maus Espíritos em seu nome, estava trabalhando pela mesma causa, embora em caminho diverso, Moisés também suspirava pelo mediunismo sadio entre o seu povo, alegrando-se com o fato de dois de seus patrícios estarem entrando em sintonia com os Espíritos do Senhor, para fins edificantes.
        Ambos deram vibrante demonstração de tolerância e compenetração dos reais objetivos que animam aqueles que desejam cooperar na tarefa comum de entrelaçamento entre os homens, com vistas a uma mais estreita aproximação com o
Alto.
        Afirmou João em seu Evangelho que “a luz resplandeceu nas trevas, e as trevas não a compreenderam” (João, 1:5).
        Essa passagem deixa entrever claramente que Jesus Cristo veio como autêntica luz a iluminar o caminho dos homens, mas a intolerância destes fez com que a sua mensagem fosse incompreendida, e as forças das trevas conseguiram fazer com que largos anos de obscurantismo suplantassem a voz da verdade, retardando a implantação dos ideais cristãos, da forma como foram ensinados pelo Cristo, fundamentados sobre a pureza e a singeleza.
        Nos Evangelhos encontramos uma narrativa bastante elucidativa: Jesus Cristo não foi recebido numa aldeia de Samaritanos. Os seus apóstolos, revoltados, perguntaram-lhe: “Queres que façamos descer fogo do céu e os consuma, assim como o fez Elias?” E a resposta do Mestre foi a seguinte: “Não sabeis de que espírito sois, porque o Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las”. E dirigiram-se para outra aldeia.
        Preferindo dirigir-se para outra aldeia, em vez de concordar com a sugestão dos apóstolos Tiago e João, de procurarem consumir o povo que não os recebera, Jesus Cristo, mais uma vez, demonstrou que a tolerância deve sempre nortear os rumos daqueles que se arrogam ao título de cristãos verdadeiros.

PAULO ALVES GODOY

Fonte: Livro: Os Padrões Evangélicos – Paulo Alves Godoy – Federação Espírita do Estado de São Paulo.

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