A INTOLERÂNCIA
(Trecho)
Enquanto no
cenário terreno as religiões se digladiam e fecham as portas a qualquer gênero
de entendimento, tudo por causa de ingênuas divergências doutrinárias, o
Mestre, cujos atos devem servir de paradigma para o nosso proceder, declara
enfaticamente a João: “Quem não é contra nós é por nós”.
Os
discípulos de Jesus, empregadas dos prejuízos do arcaico sistema religioso prevalecente
entre os judeus, não haviam ainda se despojado do tradicional e aberrante
hábito de considerar heresia tudo aquilo que não fosse referendado pela religião
imperante. Vendo aquele homem que expelia os maus Espíritos, João encheu-se de
zelo e, após proibir o homem de praticar atos daquela natureza, procurou
apressadamente o Mestre, a fim de denunciar aquilo que considerava um trabalho
paralelo e autêntica usurpação de poderes. Agindo daquele modo o apóstolo julgava
estar prestando inestimável serviço à Boa Nova e, certamente, esperava o beneplácito
do Mestre para o seu ato de intolerância.
A réplica,
no entanto, foi adversa: “Não o proibais, porque quem não é contra nós é por
nós”.
O Meigo
Rabi da Galiléia deu assim inequívoca demonstração de tolerância e é pena que o
seu exemplo não tenha servido, no decorrer dos séculos, de esteio para uma mais
íntima aproximação entre os vários agrupamentos cristãos, os quais, apesar de
viverem sob o pálio de uma só doutrina, porfiam em se colocarem na mais acesa intolerância,
refratários a quaisquer concessões ou gesto de aproximação.
No Velho
Testamento encontramos uma passagem quase idêntica:
Devido ao
abusivo costume reinante entre muitos médiuns e profetas judeus, de invocarem
Espíritos para consultá-los sobre coisas fúteis, sem um objetivo mais sério, o
médium-mor que era Moisés, vetou terminantemente que se continuasse esse intercâmbio,
proibindo que se invocassem os chamados mortos.
Muitos
médiuns sensatos existiam, no entanto, entre os judeus, e entre eles dois rapazes
sinceros, cujos nomes eram Eldad e Medad. Esses jovens estavam no campo entrando
em contato com Espíritos quando, passando por ali um homem, apressou-se em
denunciar o fato a Moisés, julgando assim estar prestando valioso serviço ao Grande
Legislador.
Conforme
narra o livro de Números, Cap. 11, v. 26 a 29, esse homem chegou todo agitado
perto do libertador dos hebreus e delatou:
“Senhor!
Eldad e Medad estão no campo profetizando!”
Josué, o
lugar-tenente de Moisés, que ali estava ao seu lado, asseverou:
“Senhor Meu
Moisés, proíba-lhos”.
Mas Moisés
não se importunou, pois conhecia o caráter da mediunidade de Eldad e Medad e se
limitou a responder a Josué:
“Tens tu
ciúmes de mim? Oxalá que todo o povo do Senhor fosse profeta, que o Senhor lhe
desse o seu Espírito.”
Assim como
Jesus reconheceu que o homem que expelia os maus Espíritos em seu nome, estava
trabalhando pela mesma causa, embora em caminho diverso, Moisés também
suspirava pelo mediunismo sadio entre o seu povo, alegrando-se com o fato de
dois de seus patrícios estarem entrando em sintonia com os Espíritos do Senhor,
para fins edificantes.
Ambos deram
vibrante demonstração de tolerância e compenetração dos reais objetivos que
animam aqueles que desejam cooperar na tarefa comum de entrelaçamento entre os
homens, com vistas a uma mais estreita aproximação com o
Alto.
Afirmou
João em seu Evangelho que “a luz resplandeceu nas trevas, e as trevas não a
compreenderam” (João, 1:5).
Essa
passagem deixa entrever claramente que Jesus Cristo veio como autêntica luz a
iluminar o caminho dos homens, mas a intolerância destes fez com que a sua mensagem
fosse incompreendida, e as forças das trevas conseguiram fazer com que largos
anos de obscurantismo suplantassem a voz da verdade, retardando a implantação
dos ideais cristãos, da forma como foram ensinados pelo Cristo, fundamentados
sobre a pureza e a singeleza.
Nos
Evangelhos encontramos uma narrativa bastante elucidativa: Jesus Cristo não foi
recebido numa aldeia de Samaritanos. Os seus apóstolos, revoltados, perguntaram-lhe:
“Queres que façamos descer fogo do céu e os consuma, assim como o fez Elias?” E
a resposta do Mestre foi a seguinte: “Não sabeis de que espírito sois, porque o
Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las”.
E dirigiram-se para outra aldeia.
Preferindo
dirigir-se para outra aldeia, em vez de concordar com a sugestão dos apóstolos
Tiago e João, de procurarem consumir o povo que não os recebera, Jesus Cristo,
mais uma vez, demonstrou que a tolerância deve sempre nortear os rumos daqueles
que se arrogam ao título de cristãos verdadeiros.
PAULO ALVES GODOY
Fonte: Livro: Os Padrões Evangélicos – Paulo Alves Godoy
– Federação Espírita do Estado de São Paulo.
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